Wednesday, October 28, 2015


Hoje participei de uma excursão feita por uma organização chamada Breaking The Silence, composta por ativistas que serviram como soldados na ocupação militar do território palestino. Fomos a uma região ao Sul de Hebron, onde tem sido criados ou expandidos assentamentos israelenses na vizinhança de diversas vilas palestinas.
A grande maioria dos moradores dessas vilas são agricultores e/ou pastores descendentes dos beduínos e, portanto, são dependentes do uso que fazem do solo.
Porém, por causa do avanço dos assentamentos israelenses na área, entre eles alguns dos mais agressivos de toda a Cisjordânia, esse uso tem sido sistematicamente negado.
A vila onde esta foto foi tirada chama-se Susya. Ao longo dos últimos 30 anos já foi destruída seis vezes pelo exército israelense, sob o pretexto de que a presença dos moradores constitui uma ameaça para os israelenses vizinhos. Apesar dos despejos e das demolições, e com apoio de diversas organizações locais e internacionais, Susya (re)existe.
O poço da foto foi alvo de uma ordem de demolição emitida pelo exército de Israel. Para cumprir a ordem, os soldados vieram e colocaram a carcaça de um carro dentro do poço. Por causa da contaminação pela ferrugem e outros materiais, a vila perdeu o poço e agora depende de tanques de água que são enchidos em poços mais distantes e trazidos por caminhões, a um custo evidentemente muito alto pros moradores.


Trabalhadores cruzando o checkpoint 320 (Tarqumiya) às 4h da manhã de hoje. Movimento bastante reduzido devido ao clima de tensão causado pelos assassinatos de jovens palestinos que aconteceram ontem em Hebron. 





Dia das crianças chegando e eu não vou deixar passar a oportunidade bem óbvia de falar um pouco do que tem acontecido com as crianças aqui na Palestina ultimamente.
Poderia tentar falar do quadro geral, mas vou falar só do que acontece com as de uma localidade próxima, porque é um caso em que uma parte serve pra explicar (ou melhor, só descrever - porque explicar é bem difícil) o todo.
Na vila de Tuqu'a, que fica na região de Belém, as crianças do ensino primário são recebidas todos os dias nas portas da escola por soldados portando metralhadoras (como esse da foto que eu tirei hoje).
Antes disso elas tem que andar ao longo de uma estrada construída para interligar assentamentos de colonos israelenses que passa pelo meio da vila, sem calçada e sem sinalização relacionada à escola. Se os próprios habitantes tentassem reparar essa falha na estrutura eles seriam impedidos, pois a vila fica na Área C da Cisjordânia (área diretamente controlada pelo exército israelense, onde é necessário pedir aos militares autorização para construir ou reformar qualquer estrutura por mínima que seja - e quase nunca ela é concedida).
Tanto na entrada quanto na saída elas passam com pressa, algumas mais novas aparentemente com medo, talvez porque no passado recente já houveram "confrontos" (sim) entre os soldados e meninos que jogavam pedras neles, e pelo menos numa dessas ocasiões foram lançadas bombas de gás lacrimogêneo dentro do pátio da escola.
O principal foco de "confrontos", porém, é a escola secundária só para meninos, prédio que fica próximo e pode ser visto ao fundo na foto (ao lado do militar). Nessa terça um grupo grande de estudantes caminhou junto para o colégio, e no caminho pararam para bloquear rapidamente uma rua próxima com um pneu em chamas enquanto falavam palavras de ordem e erguiam a bandeira palestina. Um deles chegou a jogar uma pedra na direção dos soldados, que não estavam em número suficiente pra reagir antes que os garotos entrassem na escola. Na hora da saída haviam mais soldados, mas dessa vez não houve nenhuma manifestação.
Na semana passada 6 adolescentes de Tuqu'a entre 14 e 16 anos foram presos em suas casas durante a noite pelas forças de segurança de Israel. De Segunda pra Terça desta semana, mais 3 adolescentes foram levados da mesma forma. Todos acusados de jogarem pedras em uma ou duas ocasiões.
Os soldados chegam no meio da noite, após as 2h, entram nas casas e pedem os documentos de todos os habitantes. Às vezes revistam os cômodos. Quando identificam um dos seus suspeitos, colocam vendas e algemas antes de conduzirem aos veículos.
Hoje visitamos a casa das duas famílias às quais pertencem os três presos mais recentes, e uma das mães contou que ao ser informada por um soldado que seu filho era acusado de ter jogado pedras "em duas ocasiões no último mês", respondeu que numa das datas o rapaz tinha ficado em casa o dia todo, pois estava doente. O soldado resolveu, então, interrogar todos os familiares para saber deles se havia tido algum outro momento no qual o menino havia jogado pedras.
Nenhum dos nove, até agora, tem previsão de liberação.
Sabe-se que os três desta semana foram levados primeiro ao centro policial de Gush Etzion, depois a uma corte criminal em Ramallah (onde souberam que suas audiências foram adiadas até o próximo Domingo) e por enquanto estão na prisão de Megiddo, na região Norte do país.
O pai de um dos meninos, que pôde acompanhar esse longo trajeto até a metade, diz que viu sinais e ouviu relatos de que nos deslocamentos os meninos sofrem agressões de soldados.
Esse padrão de confronto ao redor das escolas e prisões noturnas já se repete há muitos meses, com épocas de maior e menor intensidade. Num dos embates de estudantes contra soldados que aconteceram recentemente na vila, três meninos foram feridos nas pernas com munição comum. Um deles teve as duas pernas atravessadas pela bala, mas está se recuperando bem.
Existem casos de violência contra crianças ainda mais extremos aqui na região e em outras da Palestina, que apesar de serem importantes de lembrar não fazem parte da rotina, ao menos por enquanto.
Como adendo ao texto, vale falar do garoto de 12 anos que foi morto Segunda-feira aqui em Belém, no campo de refugiados de Aida. Abed al-Rahman Shadi Obeidallah foi atingido por munição letal perto do coração por estar próximo de um grupo de estudantes que jogavam pedra contra o muro. No dia seguinte foi realizado um funeral do qual participaram milhares de pessoas e houve greve geral na região. Confrontos entre jovens que jogam pedras e soldados ocorreram desde a manhã até o final da noite.