Uma estória para Maddy
Eu sei que já te contei essa estória, mas vou contar de novo
só pra ver se atraio o sono.
Diziam os meus pais que na infância deles as terras eram cobertas
de verde. Grupos grandes de alces percorriam as colinas, alimentando-se de
vários tipos de ervas que cresciam sem que nenhum esforço fosse necessário. Lá
embaixo, no fundo do penhasco que fica atrás da nossa casa, corria um riacho
que seguia crescendo, cada vez mais cheio de peixes, até encontrar a Lança de
Sal. Por entre as árvores, pássaros cantavam – especialmente quando a luz subia
ou descia numa coisa que minha mãe dizia ser chamada de “horizonte”. Essa linha
que passava onde a vista alcança era o que ela me disse que sentia mais falta,
pouco tempo antes de virar um deles.
Menino ou menina, você tem que aprender a usar as adagas de
vidro. A correr pelo gelo em direção a qualquer vestígio de luz. E o mais
difícil, que é escutar a chegada dos mortos. Eles nunca dormem e andam sem
pressa pela neve, mesmo quando ela está tão alta que nós não conseguimos cruzar
até a Vila Acidentada. Não que isso seja algo que fazemos sempre, é claro. É
perigoso demais viajar para qualquer direção, e é por isso que só fomos quando
a fome não nos deu escolha. Da última vez, um grupo de nove pessoas retornou
com apenas cinco.
Eu ainda não te falei isso, mas a comida que trouxemos deve
acabar logo, apesar da habilidade que o tio Harmond possui para aproveitar cada
pedaço de nabo, cada grão-de-bico e os restos de aveia que ficam colados no
interior dos sacos de estopa. Ele disse
que não compensa mais tentar encontrar alimentos na vila e precisamos sair
dessa estalagem. As palavras que trocamos sobre o assunto são nervosas, sem
esperança. Eu vi os mais velhos sussurrando entre si. E, quando passava pelo
corredor de cima para começar o meu turno na janela, vi também que no quarto
pequeno estão estocando qualquer pano que encontram, provavelmente pra fazermos
tochas suficientes para arriscar uma salvação. Tive vergonha quando vi, no meio
deles, dois dos panos que usei pra conter o sangue passado, mas Lynesse me
falou que eu não devo me preocupar com isso. É muito bom ter outra garota por
perto, mesmo ela sendo já uma mulher.
Apesar de nunca ter saído, Maddy, você deve sentir medo
também, não é? Eles não vão te pegar, é claro, mas eu teria medo mesmo assim,
se fosse você. Eu acho que em breve vamos tentar caminhar ao longo do rio
congelado, na direção das terras menos frias. É a única chance. Não gosto de
pensar nisso, mas com certeza seria pior ficar aqui. Se vamos ter que enfrentar
o escuro para achar outro abrigo, mais comida e mais pessoas vivas, que seja
logo. Não sei como vai ser para dormir, nunca precisamos fazer isso ao relento
em qualquer viagem para a Vila Acidentada. Rezo aos deuses que permitam um
caminho sem nevascas e sem muitos encontros com os mortos ou, pior ainda,
aranhas de gelo e caminhantes brancos.
(Day 2: Write a fanfiction)
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